domingo, 27 de fevereiro de 2011

Do nosso professor para o mundo...diário 5 by Leandro Karnal

27/02

Varanasi: a mais antiga cidade religosa em atividade no planeta se abre diante de nós. Era a parte mais enigmática, mais ansiada e menos glamourosa da viagem. A urbe sagrada apresenta-se, desde o início, barulhenta e feia. Trânsito caótico: só o Cairo pode ser mais dantesco. Fedor onipresente: vacas e pessoas defecando nos recém-chegados, sem cerimônia. Todos estavam preparados, mas a visao daquilo surpreendeu.

Comparando com os anteriores, o hotel Gateway é inferior. Canequinha de plástico no banheiro. Carpete com ácaros budistas no corredor. O lençol tem bolinhas e promove esfoliação suave. Assumimos resignação de casta.

Na noite da chegada vamos ver a cerimônia do fogo. Andamos de riquixá pelas ruas de Varanasi. Não é possível descrever a sensação. Buzinas, sempre, muitas. Comércio com mistura de 25 de março e favela. Vacas e pedintes. Carros, carroças, bicicletas, riquixás, procissão de casamento com neon em buquês, manequins mecânicos fazendo namastê: Joãosinho 30 não pensaria melhor nem se seu nome fosse com Z… Fedor, barulho, diferença, caos absoluto. Batemos fotos, olhamos, torcemos nariz e nos emocionamos. Exótico e repelente: uma espécie de Medusa social que petrifica nosso olhar.

Chegamos ao gatt, a escadaria que dá acesso ao rio sagrado do Ganges. Olhar para baixo é imperativo e prudente: pudins de hortelã deixados pelas sacrosssantas vacas escondem armadilhas a sapatos finos. Esterco aqui é como Deus: onipresente. Começa o enxame de vendedores. Um cardume, uma chusma que adeja a nossa volta. Sentem o cheiro de dinheiro, de estrangeiro e de mulher. Atacam a bombordo, estibordo e em razzias fulminantes. Querem vencer pelo cansaço. Na maioria das vezes, conseguem.

Seguimos de barco até o crematório onde os indianos acompanham seus parentes à pira final. Só homens. Mulheres em casa: seu choro pode prender a alma ao mundo material. O filho mais velho segue o cortejo com o mantra . ele está com cabeça raspada e com o branco do luto. Branco: a cor sem sangue e sem vida, a cor da dor e da morte no oriente. 250 a 300 quilos de madeira para queimar corpo. Fotos são proibidas. Olhamos de longe 5 piras ardendo. O impacto da cena provoca silêncio no grupo. Voltamos ao cais principal. Há 7 sacerdotes fazem a cerimônia do fogo para colocar a deusa Ganga, o Ganges, para dormir. Somos ateus com os deu ses alheios . No Ganges deixamos um pequeno coco com flores e uma vela sobre manteiga. Peço pelo meu pai ao depositar a oferenda votiva na água do rio. Peço a quem? A Shiva, padroeiro da morte e da cidade? Não sei, apenas penso no meu pai.

Novo trajeto de riquixá. Dou 500 rúpias ao homem do riquixá: um senhor de 1,5 metro e uns 40 quilos. Ele olha fixo e feliz a nota de 500: 10 dólares, quase 17 reais. Ele me levou e busco e pedalou como um hércules-quasímodo por Varanasi, a expressão que Euclides da Cunha usou para o sertanejo brasileiro.

NO di aseguinte vamos de novo de barco nos primeiros momentos da madrugada. Cerimônia de se purificar no Ganges e rezar ao sol nascente. Impressionante de novo. Na saída andamos pelas vielas e becos de Varanasi. Daí os vendedores caem sobre nós como varejeiras na carne crua. Um cachorro tenta mamar numa cadela sem uma perna. Uma mãe exibe a criança faminta. O cheiro, insuportável, paira sobre tudo. Pego o álcool de mão e tenho vontade de mergulhar nele, de ficar nadando na assepsia ocidental. Entramos no ônibus meio estupefatos, meio aterrados. Nascemos em famílias privilegiadas. Será mérito? Acidente?

Depois Sarnath e o local do primeiro sermão do Buda. Linda estupa e jardim. O pilar de Ashoka encanta a todos. Mais um comerciante de sedas e tecidos e resolve-se o dia. À noite aula e jantar muito bom. Estamos felizes e aliviados. Duas chinesas tapam o nariz ao passarem pela Deisy e pela Bia: preconceito é universal e cheiro relativo. Somos fedidos para elas. Elas insuportáveis a nós. Em cada esquina aprendemos sobre nossa subjetividade.

Nenhum comentário: