quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Do nosso professor para o mundo...

Último dia em Delhi. Agora partimos para o interior do Rajastão. Ontem foi a mesquita, a maior da Ásia: Jamid Masjid (ou seja, mesquita da sexta-feira). As mulheres são obrigadas a colocar túnicas coloridas e bem fedidas. Nazires chiques ficam torcidos. Sobre roupas elegantes um tecido muito sujo…Várias me perguntam por que os homens não devem vestir aquilo. Difícil explicar a complexidade do machismo religioso universal. Muçulmanos consideram a mulher fonte da tentação. Católicos não ordenam mulheres. A Bíblia tem mandamento sobre não cobiçar a mulher, a vaca, a cabra ou qualquer COISA do próximo. Deus é homem e as religiões são machistas. Após a experiência muçulmana, seguimos de riquixá pelas ruas estreitas da velha Delhi. Acho que agora o grupo viu a Índia de verdade. Fios de eletricidade emaranhados, lojas a céu aberto, açougues retalhando cabras na rua, sáris coloridos, vendedores acocorados no chão das lojas (toda Ásia parece sempre acocorada para mim) , caos colorido, fedido e fascinante. O pequeno homem à frente do meu riquixá (estou com a Daisy) tem piolhos visíveis. Pela primeira vez no dia fico feliz em ser careca.
Almoçamos num restaurante italiano da parte elegante de Nova Delhi. Serviço estranho: o prato de um chegava, 45 minutos depois o de outro, algumas pessoas já estavam na sobremesa e a entrada de outro não tinha chegado ainda. Sincronicidade não parece ser um conceito forte aqui. Comida boa, apesar do serviço. Depois do almoço fomos a um templo Sikhi. Nosso ônibus parou num ponto que não era permitido, eu creio. Um policial discutiu com o motorista em hindi. Depois, quando o grupo já tinha descido do ônibus, o policial bateu com força no motorista com cacetete. O motorista , com mãos juntas em humildade quase religiosa, pedia desculpas. O policial vibrava o cacete com mais força no lombo do motorista. Morreu ali, na nossa frente, o idílio de uma Índia pacífica e mística… Surge um país do Terceiro Mundo, com suas violências e contratastes. O motorista leva, além da surra, uma multa de 5 mil rúpias. O grupo decide fazer rateio da multa. Logo em seguida entramos no recinto dos sikhs.
O sikhismo é uma religião do século XVI. Todos usam barba, turbante elaborado e uma faca cerimonial. O templo é todo de mármore. Apesar de terem sido fundados contra os rituais islâmicos e hindus, tudo nos parece mais formal do que o Brasil. Devemos tirar sapato e meia e pisar no chão frio ( e pouco limpo). Mulheres cobrem a cabeça com panos e homens com um lenço cor de açafrão. Fiquei feliz pela segunda vez com minha calvície: o lenço que me deram já tinha passado por muitas cabeças sem ter conhecido lavanderia.
O templo é lindo, de branco intenso e porta de prata. Dentro um guru canta o livro sagrado do amanhecer ao fim do dia. Famílias sikhs tocam o chão e beijam. A atmosfera é intensamente religiosa. Meus pés gelam na pedra fria. Detesto ficar de pés descalços. Voltamos para o hotel. Trânsito de Delhi no fim do dia de segunda. São Paulo parece organizada de repente, afinal, nosso trânsito não tem vacas na rua. Todos buzinam sem parar. Os ingleses deixaram a herança da mão direita, mas morre aí a influência britânica sobre o tráfego. Chegamos ao luxo do Hotel Imperial. Janto sozinho (parte do grupo foi fazer mais compras) no restaurante do próprio hotel, o 1911. Penso muito na data: a visita do rei George V e a rainha Mary a Nova Delhi. Diante de uma sopa de cogumelos e uma taça de vinho, recrio mentalmente a entrada solene deles e o anúncio da transferência da capital de Calcutá para Delhi, com o início da construção da Nova Delhi. O império devia parecer monumental em 1911. Durou mais 36 anos apenas… A Índia do passado imperial resurge e sigo para o quartos luxuoso já esquecidos das cabeças de cabra retalhadas e da surra do motorista. O Oriente resurge entre especiarias, luxo e a cama com lençol perfumado. Somos de novo ingleses fascinados pelo luxo dos marajás e antropologizando a pobreza… Aqui tiramos fotos de pobres . Em SP corremos deles.

Nenhum comentário: